domingo, 23 de novembro de 2008

Democracia Chinesa - ou o esperado engodo de Axl Rose




Estava eu gazeteando pelo myspace quando me deparo com algo que não poderia crer que aconteceria. Sei, havia boatos, faixas na net, rolaram os shows!!!, promessas, promessas, anos de promessas. Gente morreu e nasceu e essa promessa não se cumpria. Parecia uma antiga profecia que o tempo ia desmentir. Mas eis que lá vejo o monolito negro se materializar. Desculpem o barroquismo, os adornos, a enrolação. Mas, gente!, Chinese Democarcy está lá!!! O dinossauro Axl Rose ressuscita o Guns n' Roses, acompanhado por Tommy Stinson, Dizzy Reed, Bumblefoot, Chris Pitman, Richard Fortus, Frank Ferrer, e traz a tão sonhada "bolacha" ao mundo.

Talvez eu esteja viajando e isso já está aí há muito tempo, mas tinha um cronômetro no site no qual faltava cerca de duas horas pro grande evento, o "lançamento oficial" ou o que quer que seja. Depois de rir e xingar sozinho por uns minutos, resolvi finalmente ouvir o petardo. Poderia resumir a coisa dizendo que, pra mim, a melhor coisa que veio dos restos do GnR foi o Slash's Snakepit. Mas vamos lá. Não seria muito justo com o trabalho do senhor Rose. Deveria ouvir mais vezes pra falar qualquer coisa — mas não sei se vou fazer isso de novo. Então... Não vou fazer faixa-a-faixa porque não gosto disso e não pretendo uma análise musical propriamente, já que esse disco tem reverberações mais amplas.

Se fosse comparar, compararia com o lançamneto de Balboa e John Rambo. Talvez isso fosse injusto com os filmes, pelo menos com Balboa — bom filme, em que a questão da maturidade/velhice é tratada com alguma sensibilidade. De todo jeito, ambos os filmes mostram um Stallone apegado a personagens consagrados para se manter "vivo" no universo de tantas carinhas novas e bonitinhas. Desde sempre, vejo que Axl procede da mesma maneira, tendo se agarrado ao nome, à marca, GnR, sendo menos que ela, embora seja o último resquício do que ela um dia foi. Os demais pelo menos deram seus passos.

Bem, pra falar das canções, acho que só dá pra falar pegando o viés do antigo GnR. E por esse viés, creio que temos uma nova banda. Não sei porque a demora desse álbum. Talvez seja pra soar como se fosse feito por um grupo de bons músicos que se reuniu ontem para fazer música e recicla influências mil, gerando o que tanto já temos por aí: o mesmo. E não é o mesmo GnR. É um som desses genéricos, dessas tantas bandas que vemos por aí. "Rock/Metal/Rock" são os gêneros que servem pra localizar a banda no mundo musical de hoje. A coisa toda está lá. Mas já é outra. Como um bar que mantém o nome, mas muda de dono e troca todas as garçonetes e pára de servir sua cerveja preferida. Não lembro de nenhum riff desses que grudam na gente, a voz de Axl segue outras direções, que não sei se vão ser aceitas pelos ardorosos fãs, tem o pianinho em algum lugar, os solos são "normais" quando lembramos o bom e chapado Slash, muito efeito nas vozes, uma diferença notável nesse caso, positiva até. Finalmente, as composições não apresentam nada que se possa chamar de "genuíno".

Claro, cabe anotar aqui que se trata de alguém que nunca foi um grande fã de GnR falando, entretanto, reconheço o valor que essa banda teve (tem?) para a história do rock. Os "verdadeiros fãs", como os fãs de Metallica, talvez aceitem e continuem o legado. Para mim, creio que essa audição foi suficiente. Talvez um dia eu me arrependa completamente e, envergonhado, me coloque aos pés do senhor Axl Rose e companhia pedindo perdão. Por hora, prefiro achar que o irônico nome do álbum é um tiro no pé, provando ser um engodo, como sugere que seja a tal democracia chinesa. O cronômetro zerou. Espero que não seja o fim chegando. "November 23. Out now."

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Pare de não fazer sentido

foto: Julie



foi ontem o lançamento do álbum solo de jean mafra. noite especial para ele e para quem compareceu ao SESC-Prainha e pode presenciar a apresentação de um grande artista que, acima de tudo, presa pela qualidade e acredita no que faz. além de canções do álbum , jean apresentou outras canções de sua autoria e recheou o show de surpresas, com sua miniopereta de bolso, que inclui a canção "arrependimento", presente no álbum, e "fio de cabelo", de chitãozinho e chororó. ladeado pelos "garotos de aluguel", jaguarito, na guitarra, e isaac varzim, responsável pela maioria dos efeitos de programação do álbum, reproduzidos apresentação de ontem, jean contou também com a participação de belas e belas vozes: bárbara damásio, paula felitto, lígia estriga e emília carmona (aiai). groove, sensibilidade, audácia, letras minuciosamente lapidadas, vocais calculados, talvez, para poucos.

abaixo, segue o release que fiz para o álbum. recomendo a audição e comparecimento aos shows. quem sabe algo nisso faça sentido.

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jean mafra



essa é a primeira parte do título do álbum solo de jean mafra. provavelmente refere-se ao fato de ser um trabalho autoral, independente das coerções internas tão normais a uma banda, das quais não devem escapar a SSC (samambaia sound club), uma das principais bandas do universo/cenário pop de florianópolis, na qual jean figura como homem de frente e letrista. independente, arrojado, artesanal. fruto de um período de maturação que considero como necessário, só vem dar ao público mais uma faceta, talvez a mais íntima, desse agitador cultural que, intencionalmente ou não, mafra se tornou. só, compondo, adornando as idéias, olhos fechados no vai-e-vem ilha-continente. como se aprofundar na criação de um homem só? como entender ou tentar explicar um homem só que é tantos? desnecessário. todos somos tantos e mafra não é diferente. embora sejam esses tantos profícuos e competentes em sua produção de tantos. só não se trata de ter ou não companhia, seria simplório demais. só não se trata, tampouco, de um solitário e sua criação de porão. a d-obra de mafra é sua, e só e é tão coletiva quanto a montagem de um quebra-cabeças numa praça. só perpassa cerca de dez anos de criação, seleção, suor, artesanato da palavra e versões a cappella, em busca da execução perfeita. mafra é um perfeccionista, qualidade rara nos que realmente sabem manufacturar objetos artísticos. só pode ser fruto da solidão criativa, aquela que se ativa mesmo em plena multidão. daí as possibilidades de contradição, paradoxos. só não é o umbigo do mundo, muito menos o de mafra -- por mais que ele possa acreditar nisso. só então pode ser um espelho, ecos e reflexos de uma caminhada. palcos, praças, praias, ruas, sebos, escritórios, sarjetas e altas rodas. mafra é um aglutinador. um ímã. sua força criativa reverbera e atinge as mais variadas direções e sentidos, cativando e envolvendo pessoas. sua verve polêmica polariza e dissemina. e não há como ser diferente. em minúsculas, jean mafra se infiltra e vaza. vaza sua voz, faz a sua vez. só vem acompanhado de toda essa carga, de toda essa gente, de todos esses tons, parcelas e parcerias, muitas para essas linhas; mafra vem acompanhado. acompanhando em ritmo anacrônico as voltas que o mundo deu, que o mundo dá. giranças de (sem)sentido. de saturação. situação de só: elo, naco de sentido, descarga, recarga, retorno, ritos e rotas, tapas e notas. queda brusca e busca.

pare de não fazer sentido

em 1984, a banda talking heads gravou em vídeo o show "stop making sense". david byrne e sua trupe, em quase duas horas de teipe, balançam, agitam e emocionam a platéia em performances corporais, cênicas e modificações de cenário. uma profusão de signos diversos, embaralhando e capturando a atenção do espectador, numa junção de música e imagens, corpo e som. uma meta-apresentação que mantém em "nossos dias" tremenda atualidade. jean, em outro momento, se apresenta como um produtor de meta-canções. tal como o cenário de "stop making sense", que se monta aos poucos, ao longo da apresentação, as canções de mafra deixam suas pistas, voltam-se para seu interior e executam-se enquanto escutam-se. um fazer-se-ouvir. "compondo" é a canção de abertura do álbum. o compositor lamenta (se lamenta talvez) o assassinato de uma barata, quem sabe o assassinato da canção, na busca de "construir um belo texto/inventar um novo som ou cantar fora do tom". na abertura, mafra dá a tônica de seu álbum, autoral, talvez num sentido radical, invadindo o abrigo secreto do compositor e expondo "a angústia da criação". “adorno” trata da questão da indústria, fazendo referência direta ao teórico t. w. adorno, que tanto tratou da questão da indústria cultural e de seus impactos na cultura. “adorno” é também apenas um complemento para algo que já está pronto, um arremate, muitas vezes essencial. jean mafra é ambicioso e não esconde suas ambições, coloca de cara a encruzilhada em que insere suas canções. há a manufatura artesanal e os versos em escala industrial, sem deixar de ressaltar a dor "no centro e no lado de dentro", inerente à prática de compositor/produtor de bens, o que se explicita pelo duplo sentido da palavra 'vendo' (verbos ver e vender). a criação também está presente na réplica ao seu parceiro fábio corrêa, na irreverente "fabioletas", em que mafra afirma seu apreço por rimas e, de modo irônico, marca os usos e abusos desse recurso ("se talvez me contradizo/ ou talvez provoque riso"). um bom uso é demonstrado em "arrependimento" com o uso de rimas internas dando sustentabilidade à canção, recurso muito bem utilizado por mafra em suas composições. "rosebud" conta com a participação de lígia estriga, cuja voz tremula num efeito que se condensa com a atmosfera etérea da canção, que é doce, mas nem por isso menos controversa, se pararmos para decifrar sua letra e seu tema. o mesmo tema de "dobra", em que uma "buceta" é cantada como "rara jóia", cujas dobras são obras-primas, pétalas que mantém encanto único. não que exista uma heterogeneidade rígida nas faixas de só, mas "mônica/motim" se destaca, provavelmente pela batida funk que sustenta o dueto entre jean e paula felitto, após referências a diversos ícones da canção/música popular brasileira. que explodam, que explorem o motim, barril de pólvora aberto, só deixa claras as suas intenções. se a palavra é medida e calculada nas composições de jean mafra, outro elemento que se destaca em seu processo de artesão é o uso da voz. suave, o timbre de mafra perpassa as canções de só, em acentuações que conferem sentido para além do sentido cantado, mostrando que a canção se estende para além da fórmula letra+música. o intéprete se faz presente e carimba seu selo, imprime sua marca no cantado, deformando e conformando o som, firme, irônica ou doce, como em "íris", "saudade" e "só". há uma busca de sentido em só? que sentido jean mafra pretende restabelecer, ao questionar a brilhante produção da banda talking heads? não creio se tratar de ruptura, nem de inversão. o diálogo, o intertexto, a paródia, são elementos que constituem as canções de só. uma grande conversa com o mercado, com as cartas marcadas. uma fala para as falhas e para os falsos -- profetas, reis e magos da canção. "manifesta" mostra isso de modo contundente. um caleidoscópio de referências se forma, travando diálogo com a tradição e com o novo, esvaziando o inesgotável, para que se encha de novo. "festa para animar".

para poucos

qual o sentido de tudo isso? qual o sentido de produzir? de criar? de procriar essa prole indesejada que é a canção que é marca de compromisso consigo mesma antes de tudo e que, normalmente, é taxada como sendo para poucos? que sentido restabelecer no caos administrado da circulação musical? que brechas adentrar e que barreiras estourar? talvez só haja um grande vazio que traga, que estraga e que nos traga de nada a nada. talvez haja som antes da luz e revolução sem revelação. não precisamos de messias, mas de mesclas. mas quem quer se importar? já disse que jean é ambicioso, pretensioso talvez... inicialmente, as apresentações de seu repertório solo foram chamadas de para poucos. claro, ali está chico. talvez esteja o chique do que é reservado aos iniciados. mais uma vez, a ironia vem resolver e mostrar os intentos desse rapaz. só ou pare de não fazer sentido ou (ainda) para poucos. não há sub nem superestimação nesse título. a proposição inicial é a de todo criador que tem que se deparar com sua cria e o vazio -- seu -- e do mundo ao seu redor. jean vem à público, cara desnuda, disposta a tapas, mostrar sua cria, suficientemente gestada, pronta (ou não) para ganhar (e arreganhar) o mundo. essa busca de nexo, de sentido, essa busca, esse apelo ao re-sentido só se dará contigo, querido leitor -- que até agora pode não ter percebido que falamos para e de ti. poucos e pouco a pouco, ainda. mafra vaza, escava e traça seus próprios cursos, seus roteiros, aglutina e contamina. não será sem dificuldades que seu álbum circulará. não será com pouco trabalho que sua voz reverberará. não será sem nexo o motim. manifesta agora tua ira, leitor. jean mafra morre no momento em que abraça teus ouvidos. deposita as moedas ao barqueiro, segue e consegue salvar-te. enfie confie-se. estaremos sempre sós, sem pedido de socorro que não grite apenas a nós. mas tu, como eu, como jean mafra e como o mundo, é (um) só.

juniores rodrigues
florianópolis, 10 de novembro de 2008

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Fiz meu ouvido de penico




há tempos escrevi um texto tratando das famigeradas festas da ufsc, parte do meu universo musical e cultural de então. aquele texto mantinha um tom de protesto, talvez de saudosismo e poderia soar apocaliptico também. mais de dois anos depois, ressuscito meu blog e retomo esse assunto. na verdade, creio apenas que estou velho e que deveria deixar essa discussão para os jovens. mas como todo velho ranzinza, quando algo assim começa, tenho que ir até onde o reumatismo permite.

acontece que sábado, por diferentes motivos, acabei parando na ufsc, já que havia lá uma festa — em pleno sábado!!! era de se esperar que não houvesse muitas cabeças por lá... ainda era cedo. encontrei um membro da primeira banda de saída. alguém ficou doente, alguns improvisaram e a abertura da festa foi providenciada. não vou culpar a a organização, nem as bandas que furaram, independente dos motivos. culpo a mim mesmo e assumo com todas as letras: fiz meu ouvido de penico.

como uma banda pode ser tão displicente no seu compromisso de ser uma banda? ser tosco não é pra quem quer. os ramones suavam a camisa pra parecerem desleixados. o pavement fez disso sua estética, sem deixar a qualidade de lado. kurt cobain mostrou isso ao mundo com toda as suas vísceras. mas estou querendo demais. blasfemando talvez. talvez deva beber mais, mas beber muito mesmo, pra quem sabe conseguir bater cabeça e uivar com o reconhecimento de riffs mal tocados, como alguns fizeram. o que esperar de uma banda que toca de led zepelin a mamonas assassinas? bom, fui a um baile e lá tinha a Zavajos tocando coisas desse tipo. ruim? em termos de arte diria que sim. nada de novo. nenhum critério. mas uma técnica esbanjada. agora o que os senhores da show de calouros nos apresentaram? no mínimo, uma grande piada a la andy kaufman, motivo pelo qual eu não estaria gastando agora meus últimos resquícios de neurônios. mas não creio que haja tamanha sofisticação por parte dos citados senhores. salvaria o vocal que me era apresentado pelo seu mínimo nível técnico apresentado, caso ele soubesse utilizar essas capacidades de acordo com a canção apresentada. o restante da banda acompanhava esse desnexo. o baixo parecia uma britadeira, insistente e desnecessariamente marcado. a bateria, creio que não era o baterista de sempre, "atravessava" o tempo e insistia em simular pedais duplos em toda e qualquer canção. creio que posso descarregar menos veneno contra o guitarrista, embora ele não seja nenhum santo. resumindo: não há culpados além de mim, um "dinossauro" da ufsc, acostumado aos tempos de outrora, aos "anos dourados", e incapaz de comprrender as inovações e tendências da juventude. confesso que sou retrógrado e reacionário e que, pelo prisma dessa minha convicção, fiz meu ouvido de penico.


juniores rodrigues é vocalista das bandas ¿vomitorama? e Dr.Fantástico. não canta lá essas coisas, mas se gaba por fazer um som sincero e minimamente calculado pra ser tosco, a exemplo dos grandes mestres.